Não se desespere com o pensamento de que amanhã já é segunda, leitor. Podia estar nevando.
Essa história é, de longe, minha creepypasta favorita. Nunca encontrei outra igual a ela, e não raro releio as três partes deste épico que já deveria ter virado filme só pra matar a saudade. Ela foi postada no 4Chan em 2014 e, até onde eu saiba, não foi traduzida. Felizmente, essa história tem um título, então só precisei me ocupar com a tradução do texto em si. Dado o alto status dessa história em meu coração, caprichei um pouquinho mais nela. Espero que gostem!
O Homem Branco (Parte 1)
“Domingo agora meu pai morreu; ele estava para fazer 55 anos no próximo mês de Abril.
Ele e eu nunca fomos próximos,
mas também nunca nos desgostamos. Simplesmente não tínhamos nada em comum e,
talvez acreditando que haveria tempo para consertar nosso relacionamento no
futuro, nunca liguei pra isso. Ele não estava doente, então nunca me esforcei
pra visitá-lo – e, na verdade, não o fiz nos últimos três anos.
É possível que eu esteja me
sentindo culpado por nunca ter demonstrado interesse pelo meu pai. Talvez eu só
sinta falta dele e queira falar a seu respeito.
Mas hoje eu quero te contar uma
história sobre o meu pai, e talvez compartilhar informações sobre a coisa que
ele chamava de ‘o Homem Branco’.
Já adianto que minha família não
é nativo-americana, e esse tal de Homem Branco não roubou nossa terra.
Meu pai era o típico ‘pai
suburbano’ e, francamente, do tipo mais entediante. Ele tinha típicos ‘interesses
de pai’, como pescar, caçar e jogar boliche. Ele usava sandálias e suéteres de
gola alta, dirigia um utilitário com placa personalizada. Apesar da aparência
de classe média alta, porém, ele era um caipira.
Um baita caipira.
Entenda, meu pai cresceu na região
montanhosa do Michigan nos anos 60 e a família dele era pobre e bastante
religiosa. Nunca conheci os parentes que tinha por parte dele (tirando o meu tio,
Philly, que é um personagem importante nessa história), mas pelo que ouvi falar
eles eram do tipo Deliverance on Ice*.
Viviam na floresta, e a casa era
pouco maior que um chalé. Grande parte do dinheiro vinha da criação de porcos e
galinhas; o resto da madeira cortada e vendida pelos homens da família. Meu avô
batia nos filhos quando ficava bêbado, o que deixou meu pai com algumas
cicatrizes terríveis (a maior parte delas física, mas algumas mentais também
eram evidentes).
É importante notar que meu pai
não era esperto. Ele não era criativo. Não era um contador de histórias. Ele se
lembrava de coisas e as repetia, assim como era capaz de focar sua energia em
projetos que lhe interessavam, mas ele não era esperto. Inteligência não tinha
nada a ver com o sucesso dele na vida. Tenha isso em mente quando eu lhe falar
das histórias dele.
Meu pai costumava falar
abertamente sobre o Homem Branco com minha irmã e eu (mais com ela do que
comigo, já que eles eram muito mais próximos), mas sempre tomava cuidado para
não mencioná-lo na presença de minha mãe ou de Philly. Meu tio costumava tirar
sarro do ‘bicho-papão’ dele, e minha mãe nunca soube dessas histórias. Acho que
meu pai tinha medo que ela o achasse maluco por causa delas.
Cresci ouvido falar do Homem
Branco, que parecia ser uma combinação de todos as lendas urbanas típicas. Ele
era capaz de mudar de forma, mas não de cor; em sua aparência natural ele era
vagamente humanoide, mas sem rosto, e era capaz de se transformar em pessoas e
animais. Ele era antigo, não era estúpido, mas era mais animal que homem. Ele
escolhia pessoas, seguia-as e trazia má sorte a elas. Mais que tudo, o Homem
Branco gostava de fazer acordos.
O Homem Branco não era do tipo
Ceifador Sinistro, mas sim um predador que aparecia quando uma pessoa estava
prestes a morrer ou gravemente ferida. Foi assim que meu pai o conheceu. Me
perdoe o que vem a seguir não for contado tão bem. Admito que tenho pouco
talento para contar histórias, e a lembrança que tenho delas é tão velha que
alguns detalhes podem estar faltando.
Meu pai e Philly tinha
respectivamente 10 e 9 anos quando, em meados de Janeiro, saíram para caçar na
floresta. Mesmo mais jovem, era Philly quem liderava. Eles se afastaram da rota
usual de caça e, quando escureceu, se descobriram perdidos. O que começou como
uma caça diurna comum se transformou numa situação potencialmente fatal, já que
eles não estavam suficientemente agasalhados ou tinham o equipamento necessário
para sobreviver à noite.
No escuro, nenhum dos meninos foi
capaz de ver que tinham ido parar na superfície congelada de um lago. As coisas
pioraram, então, quando o gelo cedeu sob o peso do meu tio. Meu pai, sendo meio
lendo das ideias, demorou tempo demais para reagir adequadamente à situação.
O resgate em si foi feito
rapidamente – ainda que de forma atrapalhada, resultando em meu pai também
ficar coberto de água –, mas depois dele a situação ficou ainda pior. Sem ideia
de onde estavam, já que não haviam lagos perto da casa deles, ambos se viram exaustos
e encharcados em meio à escuridão.
Eventualmente os irmãos conseguiram
sair do lago e trilhar a floresta à procura de um caminho que os levasse de
volta para casa. Encontrando uma fissura numa árvore tombada, ambos se enfiaram
dentro dela para se abrigarem do frio. Quando ficou claro que a abertura só
tinha espaço para um, meu pai voluntariou-se para ficar do lado de fora
enquanto seu irmão tentava se esquentar dentro da fissura.
É aqui que a história se divide
em duas versões. A mais acreditável é a de Philly:
>ele apaga
>meu pai acorda ele um tempo depois
>diz que precisam continuar
>eles continuam até ver luzes
>luzes de lanternas
>“vizinhos” estavam procurando por eles
>eles são levados pelos vizinhos de volta pra casa
>o pai deles bate nos dois
>todos os caipirias ficam felizes menos meu pai, porque ele ficou doido
E então tem a versão do meu pai.
Ele me contou que, sentado no
frio, ficou alerta a qualquer sinal de vida. Animais poderiam significar um
abrigo melhor (e também perigo se fosse um predador grande), e se uma pessoa ou
veículo passasse por perto eles poderiam ser salvos.
Depois de vinte minutos de silêncio
ele ouviu algo: passos. Segundo ele, parecia que um homem muito grande estava
andando não muito longe dali. O que lhe surpreendeu, porém, foi não ser capaz de
ver ninguém nas redondezas; a lua já estava no céu, clareando bastante as
redondezas, e na época já era comum que pessoas caminhando pela floresta
usassem pelo menos uma peça de roupa colorida para evitar que um caçador as
tomasse por animais.
Mesmo assim, o barulho ficou
muito mais alto antes que meu pai finalmente visse o que era responsável por
ele. A figura era branca como a neve e claramente não-humana – meu pai a
descreveu como tendo quase três metros de altura e ‘parecida com Gumby**’.
Tinha dois braços, duas pernas e dois olhos, mas seu rosto não tinha feições.
Todo o corpo da criatura era arredondado e liso.
Com medo de se mexer, meu pai se
esforçou para ficar imóvel. A coisa, entretanto, demonstrou já tê-lo visto. Ela
se aproximou dele e começou a ‘falar’. Quando falava, não o fazia com a boca.
Meu pai simplesmente ouviu as palavras e respondia ‘da mesma forma’. Deixo você
decidir o que isso significa.
A exatidão da conversa e a
duração dela eu não sei, mas a coisa disse ao meu pai que era antiga e que vivia
no frio e que precisava deles. Ela vinha quando pessoas ficavam com muito frio
ou perdidas ou feridas por animais e as levava. Ela não tinha interesse nos já
mortos, só nos que estavam morrendo. Conversar com a coisa era perturbador, meu
pai disse, mas não desagradável.
A coisa disse ao meu pai que ele
tinha que se levantar e levar o irmão nos braços; ela ordenou que ambos os
irmãos a seguissem para longe. Meu pai, é claro, recusou-se. ‘Por quê?’, a
coisa perguntou. ‘Vocês vão congelar de qualquer jeito. Não importa.’ Meu pai
recusou-se de novo e, vencida, a coisa perguntou por que ele era tão teimoso.
Soava surpresa, como se normalmente as pessoas não fossem tão cismadas.
‘Eu não quero morrer. Não quero
que meu irmão morra’, foi o que meu pai respondeu.
‘Então vamos fazer um acordo’.
Meu pai disse que a coisa – que
nunca, em nenhum dos muitos encontros entre ambos, disse como se chamava – falava
como um vendedor de carros ou apresentador de TV. Tentou convencer meu pai que
ele não sabia o que era melhor para ele. Não seria mais fácil só acompanhar o
Homem Branco? Não seria mais simples do que morrer de frio?
Meu pai, ainda assim, recusou. O
acordo foi feito; os meninos seriam devolvidos a seus lares, mas suas vidas
estariam em empréstimo. A coisa cobraria juros, e um dia viria buscá-los.
O monstro, então, começou a
andar. Mesmo que não tivesse dito nada nesse sentido, meu pai entendeu que ela
o levaria à segurança. Ele acordou Philly e os dois seguiram em frente. É
estranho que uma criança estivesse disposta a seguir um monstro de neve gigante
que tentou sequestrá-las, mas ou meu pai não estava pensando direito na hora ou
não sabia contar histórias décadas depois.
Antes que Philly acordasse,
porém, o Homem Branco desapareceu assim como suas pegadas na neve. Primeiro meu
pai pensou que a coisa tinha voltado atrás em seu acordo (ou simplesmente
abandonado os irmãos), mas daí percebeu que havia uma trilha de pegadas minúsculas
no lugar das do monstro e decidiu segui-las. Ocasionalmente, durante a
caminhada, meu pai tinha vislumbres de um coelho completamente branco seguindo
à frente. Foi assim que ele descobriu que a coisa era capaz de mudar de forma.
Depois de algum tempo, luzes surgiram à distância e ambos os irmãos andaram na
direção delas.
Claro que, quando eu era criança,
a história me assustava bastante. Tenho certeza que esqueci de um ou outro
detalhe importante. Mesmo na época, porém, eu era capaz de perceber os furos
nela e o quão inventada ela parecia ser. Minha mãe costumava contar histórias
de como a casa em que morou quando criança era ‘assombrada’, e mesmo ela
insistia que fantasmas não existiam; achei que as histórias do meu pai eram
desse tipo.
Antes de continuarmos, preciso
dizer algumas coisas. Primeiro, eu não acredito realmente nas histórias do meu
pai, mas sei que ele acreditava nelas por algum motivo. Só achei que vocês
iriam gostar delas e talvez saibam de alguma lenda parecida que minhas
pesquisas no Google não encontraram.
Também quero dizer que meu tio,
de novo, acha essa história uma baboseira só. Quando ele contava sua versão da
história, só falava de como eles tinham se perdido, quase morrido e levado uma
surra depois de voltar pra casa. Ele repetia alguns detalhes da versão do meu pai:
pegadas de coelho, pegadas maiores que as de um coelho (embora essas, ele
dizia, pareciam mais depressões na neve do que pegadas de verdade) e que meu
pai havia realmente seguido um animal pequeno por algum tempo (a cor dele meu
tio não saberia especificar), decisão que ele considerara estúpida da parte do
irmão.
Meu tio só ouviu falar do Homem
Branco um ano depois do acontecido. A desculpa do meu pai para não ter
compartilhado essa versão da história era ‘ele ou ia achar que eu era doido ou que
ia morrer’, e foi só por causa do choque do incidente seguinte que meu pai
mudou de ideia.
Um ano se passou, e meu pai
começou a achar que tinha alucinado toda a história com o Homem Branco. Uma
noite, porém – de novo no inverno, de novo com neve cobrindo o chão –, ele saiu
para cuidar dos porcos na companhia de seu cachorro de estimação.
Os únicos amigos próximos de meu
pai durante a infância eram Philly e esse cachorro, que era metade basset hound e metade beagle e se chamava Shorty. Tantas foram
as vezes em que meu pai repetiu isso que, depois de crescer, me perguntei que
tipo de relação ele teve com as irmãs. Acho que não eram muito próximos; nunca
conheci minhas tias.
Meu pai e Shorty estavam no
celeiro, que ficava longe o suficiente da casa para evitar que o fedor dos
porcos chegasse nela durante os meses mais quentes. Era um celeiro com portas
de ambos os lados, e durante o verão era comum que a dos fundos ficasse aberta
para que os porcos esticassem as pernas no cercado.
Como era inverno, não é difícil
imaginar a surpresa do meu pai ao chegar no celeiro e encontrar a porta dos
fundos completamente aberta. Não era a primeira vez que isso acontecia, de modo
que meu pai sabia que precisava chamar meu avô e meu tio para trazer de volta
os porcos que tivessem escapado. Naquela noite, entretanto, isso não seria
necessário. Todos os porcos estavam amontoados do lado de cá do celeiro, tão
longe da porta aberta quanto possível.
Assumindo que os porcos estavam
sendo sensatos e evitando o frio do lado de fora, meu pai avançou até os fundos
para fechar a passagem com Shorty em seus calcanhares. Assim que chegou à
porta, por sua vez, o cachorro farejou alguma coisa e disparou para o lado de
fora. Era óbvio que Shorty estava perseguindo algo: corria latindo e uivando à
toda velocidade.
Shorty, segundo meu pai, era um
dedo-duro. Se alguém fazia algo que não devia, ele denunciava; se uma das
crianças estivesse fora da cama no horário de dormir, precisava evitar que o
cachorro visse. O mesmo era aplicável aos animais, e se uma galinha ou porco
estivesse onde não deveria, o cachorro iria atrás. Foi com isso em mente que
meu pai não foi capaz de pensar que algo estivesse errado. Para ele, Shorty
devia estar perseguindo um porco fugitivo. Rapidamente (não tão rápido; porcos
são todos iguais, se movimentavam bem rápido e meu pai não era muito esperto),
ele contou os porcos e percebeu que um macho adulto estava desaparecido.
Meu pai seguiu Shorty. Na neve
imperturbada, era fácil seguir os rastros do cachorro; mas também ficou mais
evidente que havia um problema.
As pegadas de Shorty na neve não
estavam seguindo as de um porco. Na verdade, não havia pegadas de porco apesar
do vento fraco ser incapaz de cobrir qualquer marca deixada na neve. As pegadas
que o cachorro estava seguindo não eram propriamente pegadas, e sim depressões
enormes e sem forma exata.
Essas meu pai reconheceu. Mesmo
brevemente, ele as tinha visto na floresta no ano passado. Ali estavam elas
novamente, com um ávido Shorty perseguindo-as. Juntando coragem, meu pai seguiu
em frente; ele queria seu cachorro de volta e, assustado ou não, seu pai o
mataria se soubesse que um porco havia se perdido.
O cercado dos fundos tinha um
tamanho decente, mas não demorou até que meu pai chegasse à cerca de um metro e
meio de altura. Sorty era capaz de escalá-la (devia ser mais beagle que basset, porque a ideia de um basset
escalando uma cerca é hilária) e meu pai viu que o cachorro já tinha sumido
para os lados da floresta. É claro que o cercado não tinha impedido o Homem
Branco. As pegadas dele simplesmente passavam pela barreira como se ele não
tivesse precisado desacelerar para vencer o obstáculo.
Meu pai escalou a cerca e dentro
em pouco estava na mata fechada – porque naquela região não havia outro tipo de
mata que não a fechada, e todo espaço onde se queria construir alguma coisa
precisava ser aberto à base do desmatamento. Não demorou muito tempo para que
ele voltasse a ouvir os latidos de Shorty e o guinchar de um porco
aterrorizado.
Correndo, meu pai chegou à cena
rapidamente. De pé em meio às árvores estava o Homem Branco, que parecia ainda
maior que no ano passado. Num dos braços, sem esforço aparente, ele levava o
porco, que devia pesar quase duzentos quilos. A alguns metros de distância
estava Shorty, todo arrepiado e com os dentes para fora, rosnando como se
tivesse encurralado o monstro.
Não houve comunicação ou confrontação
entre o Homem Branco e meu pai. Houve apenas uma impressão. A impressão de que
o Homem Branco havia esperado pelo meu pai, que ele tinha ficado ali ignorando
o cachorro só para que meu pai pudesse vê-lo.
Houve uma pausa curta, então meu
pai percebeu uma coisa terrível; o Homem Branco, tinha, de fato, uma boca.
Debaixo dos olhos negros da coisa havia uma fenda, uma linha longa, e ela se
abriu só um pouquinho para revelar dentes afiados tão brancos quanto o resto.
Eles brilharam sob o luar.
Tão rápido quanto ele abriu seu
sorriso, o Homem Branco se foi. Silencioso, ele disparou correndo entre as
árvores e graciosamente evitou os obstáculos em seu caminho. O único som que
ele produzia ao se mover era o suave esmagar do gelo sob seus pés. Shorty
ameaçou perseguir a coisa, mas meu pai conseguiu se atentar a isso e chamou
pelo cachorro antes que este disparasse pela floresta. Meu pai chorou durante
todo o caminho de volta para casa.
Claro, ele ficou numa enrascada.
Decidindo não contar aos pais o que houve, ele foi punido por ter deixado o
porco escapar. A única pessoa para quem ele contou foi Philly, e isso só porque
meu pai não parou de chorar durante os dias seguintes. Meu tio não acreditou
muito na história, mas também não disse nada para contradizê-la.
Philly eventualmente passou a
acreditar que meu pai era esquizofrênico, e que o Homem Branco era uma
manifestação disso. Eu não sei nada sobre doenças mentais, por isso não sei o
quanto esse diagnóstico caseiro está certo.
Anos se passaram antes que meu
pai visse o Homem Branco novamente, mesmo que ele diz sentir que ‘ele estava
por perto’ durante esse período de aparente paz. Todo inverno, sem falta, um
porco ou grupo de galinhas desaparecia. Só houve um ano em que isso não
aconteceu: um menino desapareceu na floresta e naquele respectivo inverno
nenhum porco sumiu.
Foi o sumiço dos animais (e os
dentes fiados) que fez meu pai chegar à conclusão que o Homem branco precisava
comer, e que ele não era vegetariano. O Homem Branco, entretanto, nunca chegou
a dizer que matava e comia suas vítimas. Considerando o que ele levava
anualmente, porém, meu pai não achou difícil adivinhar o real objetivo da
coisa.
Aos dezesseis anos, meu pai viu o
Homem Branco de novo. Lembro da idade com exatidão porque meu pai mencionou ter
sido o ano em que ele começou a dirigir.
Era tarde da noite e meu pai
estava voltando de carro pra casa. Fazia pouco tempo que ele começara a
trabalhar num posto de gasolina próximo, e era comum não voltar até tarde da
noite. Vale notar que meu pai tinha habilidades e talentos (como trabalhar duro
e saber cozinhar bem), mas dirigir, especialmente durante o inverno, não era um
deles.
Dirigir assustava meu pai. Ele
ficava aterrorizado com a ideia de as rodas derraparem e ele bater numa árvore,
por isso dirigia com cuidado e muito devagar. Ele era de gritar com os filhos,
mas ficava muito estressado quando falávamos demais durante uma viagem de carro
ou quando o rádio tocava alguma música barulhenta; os ruídos distraíam,
deixavam ele nervoso. Com isso em mente, o que estou pra lhe dizer não será
surpreendente.
Ele bateu.
Sim, aconteceu quando ele freou
muito bruscamente ao parar para ajudar uma pessoa ferida num outro acidente,
mas ainda assim ele bateu.
Outro carro tinha derrapado no
acostamento da estrada remota que levava à casa dele, e no processo de oferecer
ajuda meu pai também teve um acidente – um muito mais violento que o do outro
carro. Ele acabou acertando uma árvore com tanta força que acabou causando
danos sérios ao carro que dirigia e ainda por cima feriu a perna. O motorista
do outro carro acabou vindo ajudar, e depois de perceber que meu pai não podia
voltar a pé pra casa, foi andando até a cidade pra conseguir ajuda para ambos.
Meu pai agradeceu, e o homem
seguiu a pé pela estrada. Apesar da distância e do frio, meu pai calculou que
levaria mais ou menos uma hora para o homem chegar ao posto de gasolina e então
uma quantidade similar de tempo até que, de lá, chegasse de carona até a cidade
em si. A ajudara chegaria de carro, então em menos de três horas meu pai achou
que estaria na cabine aquecida de um caminhão-guincho no caminho para casa (ou,
o que era mais provável, para o consultório de um médico).
Era meia-noite quando o homem
partiu, e meu pai tinha um relógio de pulso para o qual olhar enquanto tremia
de frio no escuro. Uma da manhã chegou e passou. Duas da manhã depois. Três.
Quatro. Olhando para o relógio, ele se sentiu cair no sono. O som de passos
pesados se aproximando, passos de um homem grande, foi o que lhe despertou.
Por algum motivo ele pensou que o
sujeito que fora pedir ajuda não conseguiu chegar ao posto e precisou voltar
pra ajudar meu pai a sair dali. Ou talvez o cara tenha ido embora, e o homem
que se aproximava era alguém diferente oferecendo ajuda.
Ele levantou o pescoço para olhar
pro retrovisor do carro, e então sentiu o estômago despencar. Não tinha homem
nenhum na estrada coberta de neve. Se era possível ouvir os passos, devia ser
possível ver, mas não foi um homem que meu pai viu.
Segundo ele, a sensação foi como
a de estar num pesadelo. Ele começou a olhar por cima do ombro, desesperado
para enxergar alguém, qualquer pessoa, na esperança de só estar assustado
depois do sono. Foi então que meu pai viu uma forma branca enorme se
aproximando em meio às árvores marrons e pretas na beira da estrada. Era o
Homem Branco de novo, passos lentos aproximando-o do carro do meu pai.
Seus movimentos eram graciosos,
mas ele parecia um pouco preocupado. Meu pai nunca tinha visto ele ‘em campo
aberto’ antes, mas ali estava ele, se movendo com a cautela ‘de um gato com
medo de ser visto à noite’. Eventualmente, a coisa chegou pertinho do carro e
parou. De novo, meu pai não sentiu raiva ou terror; mesmo assustado, ele falou
com a coisa calmamente. Dessa vez a conversa foi rápida, uma única frase
não-dita dentro da cabeça do meu pai:
‘Não se preocupe; já foi pago.’
Com isso, o gigante continuou seu
caminho através da estrada até as árvores do outro lado. Como que para nos dar
uma lição, meu pai sempre contava essa história dizendo que o Homem Branco
olhou para os dois lados antes de atravessar a rua.
Uma vez que a coisa saiu de
vista, meu pai começou a chorar. O choro continuou até que um carteiro (mesmo
no fim do mundo você tem que receber as contas) o encontrou quatro horas
depois. Meu pai se recuperou da ferida na perna, mas precisou pagar uma ‘pequena
fortuna’ para consertar o carro.
O outro motorista acidentado?
Teve menos sorte. Nunca mais apareceu. Uma investigação foi aberta, mas nenhuma
pista de seu paradeiro foi encontrada.
Essa é a última história de que
me lembro bem. Algumas outras estão embaralhadas na minha memória; já faz dez
anos desde que as ouvi pela última vez.
De alguma forma meu pai sabia que
o Homem Branco estava ligado ao inverno. Isso não surpreende ninguém, já que
estamos falando de um monstro da cor da neve que vive na região mais fria dos
EUA e só aparecia depois de uma nevasca. O problema, veja bem, é que no
Michigan era inverno quase o tempo todo.
Os anos seguintes se passaram sem
nenhum evento digno de nota. O Homem Branco continuou a pegar seu pagamento
todo inverno, mas nunca chegou perto de Shorty ou da minha avó nem nada do
tipo. Meu pai tinha dezenove anos quando decidiu ir embora. A família dele era
pobre e, mesmo se não fosse, meu avô nunca permitiria que um filho dele fosse
para a faculdade.
Quando meu pai e meu tio se
tornaram ‘homens’, meu avô deu a eles uma escolha: se tornar fazendeiros,
padres, lenhadores, construtores ou ir embora e nunca mais voltarem. Foi por
causa de Philly que eles acabaram não ficando, apesar de eu ter certeza que meu
pai já estava querendo partir para longe do frio.
Philly decidiu se alistar no
Exército e meu pai o acompanhou. A guerra no Vietnã tinha acabado recentemente,
e meu pai brincava dizendo que queria ter participado dela para poder visitar
um lugar onde nunca nevava. Eu poderia mentir e adicionar um pouco de comédia
na história dizendo que eles foram mandados para o Alasca ou para a Rússia, mas
a verdade é um pouco mais entediante.
Eles foram aceitos no Exército e
receberam treinamento básico, mas nunca viram ação. Philly foi dispensado por
ter um defeito de nascença e meu pai ficou trabalhando em várias bases
militares até o fim de seu contrato. Ele pedia pra ser transferido para algum lugar
quente e, como era benquisto por seus superiores, acabou no Texas.
Meu pai tinha toneladas de histórias
sobre coisas estranhas encontradas na floresta antes de ele sair de sua
cidade-natal e outros incidentes vagamente conectados ao Homem Branco, mas
passou bastante tempo até que eles se encontrassem novamente; afinal de contas,
se a coisa estava conectada ao frio, passaria longe do Texas.
Perto do fim do contrato militar
do meu pai, porém, uma tempestade de neve atingiu a área em que ele estava
servindo. Sendo o único da base que sabia as precauções a serem tomadas no caso
de neve cair, ele ficou do lado de fora resolvendo problemas em várias ocasiões
durante a tempestade. Não demorou até meu pai descobrir que o Homem Branco
podia viajar.
A tempestade durou dois dias. No
segundo dia, meu pai precisou acordar cedo para descongelar as ruas e calçadas.
Numa parte desolada da base, ele ficou surpreso ao ver outro soldado à
distância e ficou preocupado quando percebeu que o homem não estava se movendo.
Com passos rápidos, meu pai se
aproximou do homem a tempo de perceber algo. Mais uma vez, não havia pegadas
deixadas na neve – e o soldado não tinha cor alguma, sendo uma forma branca
detalhada com dois olhos completamente negros. Não fosse o choque, meu pai
teria gritado. Em vez disso, meu pai sentiu-se empalidecer.
‘Ficou devendo’.
Dizendo isso, a figura
desapareceu. Meu pai foi encontrado algum tempo depois, paralisado de medo e
com os olhos fixos no horizonte, por um colega soldado. Ele deu a desculpa de
que estava assim por causa da exaustão. Dois dias depois, uma de minhas tias
ligou para avisar que meu avô tinha morrido. Meu pai não deu detalhes de como
aconteceu; aparentemente uma queda enquanto alimentava os porcos.
Sem drama. Meu pai,
compreensivelmente, não se importou tanto. Se o Homem Branco era o responsável
pelo ‘acidente’, não tinha sido uma punição tão grande assim. Eventualmente,
porém, meu pai chegou à conclusão de que a aparição do Homem Branco era mau
agouro.
Já são quatro da manhã, e eu vou
dormir. Amanhã, se alguém estiver interessado, eu contou as outras histórias
que meu pai me contou. Espero que vocês tenham gostado, e deixo aqui uma
pergunta:
Alguém tem alguma ideia do que essa
coisa era, se meu pai não é só um maluco de pedra? Existe alguma lenda, urbana
ou não, que seja parecida com o que ele descreveu?”
*Deliverance, em inglês, quer dizer “salvação” no sentido cristão. Deliverance on Ice poderia ser traduzido
como “salvação no frio/gelo”, mas não seria a escolha completamente certa
porque deliverance também é um termo
usado em associação a cristãos fervorosos, do tipo interiorano, sem formação
secular. Era isso que o autor estava descrevendo, por isso deixei o termo
original.
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ResponderExcluirnão quero mais me apaixonar de novo
ResponderExcluireu me odieo arrogante eu me odeio eu me odeio porque
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ResponderExcluirE eu vou ficar chateada com você e você nem aí pra mim porque o Alec já tinha um "Beijo" é aquele colar do tipo do peter pan que ele da pra wendy, é quase igual. aí ele deu pra menina que ele ta namorando, aí ele ta então escrevendo pra criança. porque ele é um idiota que tava procurando talvez uma namorada.
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